Controlo da qualidade na acreditação de laboratórios de análises clínicas: A experiência do Serviço de Patologia Clínica do H. D. Santarém
Introdução
Um Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ), baseado na implementação da Norma
17025, ou da
Norma 15189 (normas de acreditação de laboratórios), permite evidenciar a competência técnica de um laboratório, para além da sua organização. A sua implementação visa a melhoria contínua e o controlo da qualidade global do laboratório.
O Serviço de Patologia Clínica (SPC) do Hospital Distrital de Santarém (HDS) foi o primeiro a obter a
acreditação pelo IPAC, segundo a Norma NP EN ISO/IEC 17025, em 19 de Janeiro de 2006.
O SPC do HDS está integrado num hospital com internamento (417 camas), consulta externa e um serviço de urgência de 24 horas. Atende cerca de 270 utentes/dia e efectua cerca de um milhão e 200 mil análises/ano.
A acreditação levou a repensar e melhorar as nossas instalações. Foi a
1.ª grande mudança. Temos agora uma sala de espera, seis salas de colheitas, uma secção para recepção e triagem das amostras, um laboratório de 24 horas muito automatizado onde cerca de 85% das análises da rotina e urgência são realizadas, e quatro outras secções mais especializadas de Bioquímica, Hematologia, Imunologia e Microbiologia.
Todo o serviço é assegurado por nove especialistas (quatro médicos patologistas clínicos e cinco farmacêuticos), 18 técnicas de Análises Clínicas e Saúde Pública (TACSP), quatro administrativas e três auxiliares de Acção Médica.
Implementação da Norma 17025
A
Norma 17025 é composta por
Requisitos de Gestão e Requisitos Técnicos.
1- Requisitos de Gestão
A introdução dos requisitos de gestão levou à
2.ª grande mudança, traduzindo-se na implementação de:
– procedimentos com as responsabilidades definidas,
– metodologia de registo e tratamento do trabalho não conforme,
– auditorias internas, como ferramenta de diagnóstico,
– definição e monitorização de objectivos da qualidade anuais e
– avaliação da satisfação do cliente.
Com a ajuda de um programa informático, ControlQ, foi efectuada a elaboração, revisão, distribuição e controlo dos documentos, assim como o registo e monitorização dos objectivos da qualidade, das não-conformidades, reclamações, acções correctivas e preventivas. Em todos os computadores do serviço é possível, a qualquer colaborador, consultar um documento ou acompanhar uma acção correctiva.
2 - Nos
Requisitos Técnicos, a análise é dividida em
Pessoal e
Fases Analíticas:
2.1. Pessoal:
A qualificação e formação do pessoal são fundamentais para um serviço de qualidade. A
3.ª grande mudança foi a mudança de atitude face à qualidade. O SPC é um serviço público e essa mudança é um processo lento mas voluntário. O envolvimento exponencial dos colaboradores com o SGQ tem sido evidenciado em cada auditoria.
2.2. Fases analíticas
A melhoria contínua das fases pré-analítica, analítica e pós-analítica começou com a detecção dos principais problemas e posterior monitorização das acções correctivas implementadas.
2.2.1. Pré-analítica
Os principais erros identificados na fase pré-analítica foram essencialmente a não realização de todos os pedidos do clínico, colheitas incorrectas, tubos mal identificados, má preparação das amostras e excesso de tempo.
A aquisição do sistema informático (Appolo) e as consequentes acções correctivas implementadas
constituíram a
4.ª grande mudança:
a) a maioria dos pedidos passou a ser efectuada directamente pelo clínico «on-line»,
b) nos diferentes locais de colheita está disponível «on-line» um manual de colheitas,
c) na folha de marcação dos utentes da consulta externa estão indicadas as condições de preparação de colheita,
d) todos os tubos estão identificados por um código de barras, com identificação do utente, do tipo de ensaio e da origem (urgência, internamento),
e) os códigos só são emitidos em número e tipo correspondente aos ensaios e todos os códigos não utilizados são destruídos,
f) o posto de recepção de amostras tem regras específicas de rejeição, preparação e distribuição das amostras,
e) em todas as intervenções existe o registo da hora e identidade do colaborador (administrativa, TACSP – na colheita e recepção dos produtos),
f) periodicamente, efectua-se a análise e divulgação dos tempos de processamento, e
g) efectua-se o registo e monitorização de ocorrências e não conformidades.
Pode ser observada a melhoria de 50% no tempo da pré-analítica entre Outubro de 2004 (azul) e 2005 (verde), para os utentes da consulta externa. O aumento do tempo da pós-analítica deve-se a uma melhor gestão das amostras por ser possível dar prioridade aos doentes do internamento.
2.2.2. Analítica
O objectivo nesta fase visava melhorar a precisão e a exactidão.
A
5.ª grande mudança, a implementação de novos procedimentos e a rastreabilidade associada aos ensaios contribuíram para alcançar esse objectivo.
Os novos procedimentos incluem:
a) a selecção de novos equipamentos, com qualidade reconhecida,
b) a validação dos correspondentes métodos,
c) a responsabilização dos operadores na manutenção dos equipamentos e na execução e validação dos controlos e ensaios,
d) reagentes, calibradores e controlos prontos a usar,
e) a avaliação de fornecedores,
f) a monitorização da avaliação interna e externa da qualidade (AEQ) com o recurso a um programa informático de controlo de qualidade (Multi QC), onde:
i) validamos o controlo interno diário (pontos a azul),
ii) analisamos os valores dos relatórios da AEQ (bolas a verde),
iii) determinamos o desvio padrão do laboratório, muito inferior ao do fabricante (a barra verde corresponde a «3s» reais),
iv) estabelecemos os limites permitidos, retirados de tabelas internacionais com a CLIA (linhas vermelhas),
v) registamos as ocorrências relacionadas com os ensaios («E» na parte inferior),
vi) avaliamos a performance (índice de capacidade) do método, e
g) a determinação do erro total e da incerteza da medição (com recurso a folhas de cálculo elaboradas pelo Dr. Hélder Lopes) e consequente comparação com valores da CLIA. Pode-se observar que o erro total percentual é em 20 dos 23 ensaios inferior a 50% do erro total permitido pela CLIA.
2.2.3. Pós-analítica
A melhoria da comunicação com os clínicos, com resultados «on line», boletins de resultados com mais informações, acesso fácil ao histórico, melhor gestão das amostras e das repetições e a avaliação do tempo de entrega de resultados veio resolver a maioria dos problemas da pós-analítica.
Figura 1 - Tempo de resposta do laboratório aos pedidos do serviço de urgência (horas entre a recepção dos produtos e a impressão dos resultados)
Encarnado - >3horas
Amarelo - 2-3horas
Verde - 1-2horas
Azul - <1hora
Na figura 1 observamos a melhoria dos tempos de resposta ao serviço de urgência. No 4.º trimestre de 2005, a resposta a 97% dos pedidos demorava menos de duas horas. De notar que as análises bacteriológicas, requisitadas pela urgência, entram na determinação destes tempos.
Conclusão
A acreditação produziu uma significativa mudança no laboratório com particular realce para os seguintes aspectos:
1 – reforço da credibilidade do serviço por reconhecimento pelo IPAC da nossa competência organizativa e técnica,
2 – reorganização do laboratório: com melhores instalações, melhores equipamentos, optimização de processos, maior eficácia e eficiência,
3 – melhoria do controlo da qualidade das várias fases analíticas: melhores resultados na AEQ, menos repetições, maior rastreabilidade,
4 – maior envolvimento e motivação entre os profissionais do serviço, e
5 – redução dos custos, por via de uma gestão mais eficaz e eficiente dos recursos humanos e técnicos.

Figura 2 - Inquérito de satisfação dos clínicos. Comparação dos indicadores 2003 vs 2005
Azul - médicos 03
Verde - médicos 05
Finalmente, destaca-se que a acreditação melhorou significativamente a satisfação dos utentes (86% de resultados Muito Bom e Bom no inquérito de satisfação de 2005), dos colaboradores do serviço e dos clínicos, o nosso cliente interno – como se pode ver na figura 2, relativamente aos indicadores atendimento, eficácia e organização.
Referências:
NP EN ISO/IEC 17025.
NP EN ISO 15189.
Dr.ª Rosário Luís
Responsável pela Gestão da Qualidade do Serviço de Patologia Clínica do Hospital Distrital de Santarém