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Artigo de Mundo Farmacêutico®

Nº 24 / Setembro e Outubro de 2006






42 Zoonoses emergentes em Portugal
- Prof. Doutor J. A. David de Morais
Nas décadas de 40 e 50, diversas personalidades médicas exprimiram a opinião de que, por recurso a antibióticos, vacinas, insecticidas, etc., as doenças infecciosas e parasitárias estavam «condenadas a desaparecer». Todavia, volvido que foi meio século, não só várias daquelas doenças aumentaram de incidência como, em muitos casos, tornaram-se ainda mais difíceis de tratar (casos flagrantes da tuberculose e malária, entre outras).

Aliás, ocorre lembrar que, de acordo com a OMS, cerca de 1/3 da mortalidade humana em todo mundo é devida a doenças do foro infeccioso e parasitário. Acresce que, nos últimos 20 anos, foram descritos cerca de 30 novos agentes infecciosos que antes eram totalmente desconhecidos da Ciência, sendo que um número considerável deles são zoonoses.

Entre as várias razões que têm contribuído para o aumento da incidência daquelas doenças, haverá que referir: as alterações climáticas; a degradação ambiental; o aumento da toxicodependência, da prostituição e da homossexualidade; o envelhecimento populacional; o aumento das infecções nosocomiais e da resistência aos antibióticos; a maior mobilidade das populações; a eclosão de conflitos bélicos; o aparecimento de novas doenças (doenças emergentes) e o recrudescimento de antigas (doenças reemergentes), etc.

Assim, dada a relevância actual das zoonoses emergentes, dedicar-lhes-emos a nossa atenção, restringindo-nos, todavia, tão-só ao território nacional:

1 Arbiviroses

Têm por reservatórios diversos vertebrados, sendo que, grosso modo, as aves assumem uma relevância especial como reservatórios. Foram identificados em Portugal os seguintes arbovírus: Ntaya, Banzi, Dhori, Thogoto, West-Nile, Febre-Hemorrágica Congo-Crimeia e vírus Toscana. As suas manifestações clínicas são também muito diversas, mas serão de referir quadros do tipo gripal, febres hemorrágicas e meningoencefalites.

2 Hantaviroses

Os seus reservatórios são roedores. Na Europa, foram identificados os seguintes vírus do género Hantavirus: Puumala, Dobrava-Belgrado e Saaremaa. As infecções por Hantavirus podem ser assintomáticas ou apresentar manifestações de falência renal (impondo, por vezes, a necessidade de recurso à hemodiálise), edema pulmonar não cardiogénico ou até mesmo falência multiórgãos.

3 Ehrlichiose e anaplasmose

Inicialmente, entendia-se que as duas principais bactérias causadoras de «ehrlichiose» pertenciam ambas ao género Ehrlichia, mas estudos filogenéticos subsequentes mostraram tratar-se de dois géneros distintos. Têm como reservatórios diversos animais domésticos e assumem maior importância a Ehrlichia chaffeensis e o Anaplasma phagocytophilum.

A clínica pode consistir apenas em quadros febris, mas estão também descritas falências pulmonares e renais agudas e até mesmo encefalopatias.

4 Rickettsioses

Foram identificadas no nosso País as seguintes rickettsias: R. typhy (produzindo o clássico tifo endémico), R. conorii (responsável pela chamada febre escaronodular ou febre botonosa), R. slovaca (que determina, caracteristicamente, eritema e linfadenopatias), R. helvetica (supostamente responsável por certas cardiomiopatias e por quadros febris sem exantema) e R. sibirica mongolotimonae (que produz o tifo siberiano por carraça e/ou a «linfangite associada a rickettsioses»). A primeira das rickettsias referidas tem como vectores as pulgas dos ratos e as restantes são transmitidas por diversas espécies de carraças.

5 Tularemia

Os principais reservatórios da Francisella tularensis são, na Península Ibérica, as lebres e os seus quadros clínicos são muito diversificados: úlceras glandulares, pneumonites, situações semelhantes a febres tifóides, septicemias, etc. Em Espanha foram descritos surtos epidémicos relacionados com a caça e manipulação de lebres e também com a pesca ao lagostim de água doce.

6 Bartoneloses

Os principais reservatórios parecem ser os gatos e o próprio homem. Na Europa, foram descritas a Bartonella quintana, B. henselae e B. elizabethae. As manifestações clínicas podem incluir febre, adenopatias, angiomatose bacilar, doença da arranhadura do gato, endocardite, etc.
A infecção assume especial acuidade em indivíduos imunodeprimidos, sendo que, em casos de SIDA, a angiomatose bacilar tem sido mesmo confundida com o sarcoma de Kaposi.

7 Borreliose de Lyme

Os seus vectores são carraças (entre nós, o Ixodes ricinus). Trata-se de uma doença proteiforme («a nova grande simuladora»), podendo apresentar manifestações cutâneas (eritema migrans, linfocitoma e acrodermatite crónica atrófica), articulares (artrite de Lyme), cardíacas (bloqueios de ramo intermitentes, pancardite e, talvez, certas formas de miocardiopatia hipertrófica), oculares (conjuntivite, iridociclite, vasculi­te retiniana, coroidite, nevrite do óptico, panoftalmia, queratite, etc.) e neurológicas (parésias e paralisias periféricas ou cranianas, mielites, encefalites, meningites crónicas, vasculi­tes cerebrais, pseudo tumores cerebrais, síndromes demenciais, quadros like esclerose múltipla, etc.).


Prof. Doutor J. A. David de Morais
Departamento de Ecologia da Universidade de Évora e Hospital do Espírito Santo de Évora



Nota: Bibliografia cedida a pedido.


Comentários

Luís Soares às 19:44 02-06-2008 :

Estimado Prof. Doutor J. David de Morais,
Agradecemos o seu alerta pela incorrecção, tendo a fotografia já sido corrigida.

David de Morais às 12:43 02-06-2008 :

A fotografia em epígrafe no artigo publicado, obviamente que não é minha - não sou tão simpático!...
Grato pela intensão
J. David de Morais

Lucília Pontes às 12:08 10-05-2008 :

Olá!

Gostei mt do seu trabalho de pesquisa e interessou-me ainda mais porque estou a fazer um artigo de revisão sobre viroses emergentes em Portugal. Assim sendo, seria possível ceder a bibliografia por si usada, para eu poder aprofundar as suas informações?

Obrigada.
Atentamente, Lucília Pontes

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