Artigo de Mundo Farmacêutico®
Nº 16 / Maio e Junho de 2005
50 Os farmacêuticos de oficina e a farmacoepidemiologia
- Dr. Miguel Silvestre
Dr. Miguel Silvestre
Director Técnico da Farmácia Miguel Silvestre
A farmacoepidemiologia tem como finalidade avaliar os efeitos indesejáveis dos medicamentos, o impacto económico da sua prescrição e dos seus benefícios na saúde e qualidade de vida. Desta forma, como farmacêutico de oficina/comunitário, com responsabilidades profissionais e sociais no meio em que me envolvo, só poderia ter a atitude como aquela que, juntamente com a equipa com que trabalho, tenho vindo a assumir: colaborar e envolver-me nos diferentes projectos e estudos que me propõem.
Os dados resultantes de estudos de farmacoepidemiologia podem e devem contribuir de diferentes maneiras para a melhoria de qualidade na prescrição e dispensa de medicamentos. Dados sobre padrões de utilização de medicamentos, toxicidades, efeitos a longo prazo, entre outros, são o garante de possibilitar uma melhor prescrição ou contribuir mesmo para o seguimento de protocolos terapêuticos.
Os farmacêuticos de oficina têm ao longo dos últimos anos desempenhado um papel fundamental, senão mesmo determinante, no desenvolvimento destes estudos. Durante os últimos 10/15 anos temos vindo a assistir a uma evolução exponencial dos técnicos, serviços e meios que os farmacêuticos de oficina têm à sua disposição. Então vejamos:
• O quadro farmacêutico das farmácias portuguesas tem vindo a aumentar, o que permite um envolvimento, um acompanhamento e uma sensibilização maiores para esta temática.
• Os serviços que prestamos na área de intervenção farmacêutica (PCF’s, determinação de parâmetros bioquímicos, como glicemia capilar e colesterol, pressão arterial, entre outros), que nos permitem proceder ao rastreio de determinadas patologias, bem como acompanhar a evolução das terapêuticas, quer numa perspectiva de eficácia, quer de adesão.
• Os meios tecnológicos à nossa disposição, quer os equipamentos de diagnóstico, quer os sistemas de informação, estes últimos desenvolvidos com enorme participação dos farmacêuticos, proporcionam-nos uma fonte de informação privilegiada sobre a exposição ao medicamento.
Conseguindo, então, conjugar todos estes aspectos, as farmácias portuguesas prepararam-se de modo a que os seus farmacêuticos tenham a possibilidade de proceder a registos da medicação no acto da dispensa e, longitudinalmente, construírem um perfil farmacoterapêutico. Este perfil farmacoterapêutico permite investigar perfis de prescrição, padrões de utilização (se o doente estiver em seguimento e se avaliar a adesão à terapêutica através da renovação da prescrição, por exemplo), o aparecimento de PRM (problemas relacionados com medicamentos), sendo alguns problemas de segurança e outros de efectividade, o grau de cumprimento de orientações terapêuticas provenientes de consensos e avaliar indicadores da qualidade de prescrição e dispensa de medicamentos.
Apesar de não existirem indicadores de morbilidade e mortalidade documentados na farmácia, pode-se em algumas situações encontrar proxis (indicadores proximais) desses resultados em saúde e relacioná-los com o benefício ou insucesso associado ao perfil de utilização do medicamento (pressão arterial, colesterol e triglicéridos, infecção por H. pylori, glicemia capilar em jejum e pós-prandial).
As farmácias têm igualmente investido na investigação farmacoepidemiológica através da construção e manutenção de um painel Sentinela, que é um conjunto de farmácias representativo a nível nacional. Composto por cerca de 600 farmácias neste momento (de mês para mês aumentam), este painel envia semanalmente informação sobre as vendas. Mas, neste momento, cerca de 170 farmácias, que já têm uma aplicação informática nova, o Sifarma 2000, disponibilizam informação mais detalhada a nível da venda, o que nos permite saber sexo, idade, medicação concomitante e sistemas de co-pagamento do doente. Esta informação é naturalmente importante para que se possa proceder a análises exploratórias mais ricas e informativas sobre os fenómenos de utilização dos medicamentos.
Nos estudos do CEFAR participam habitualmente 20-30% das farmácias a nível nacional, estando habitualmente representados todos os distritos do país. Têm provado ser amostras com uma representatividade aceitável para os fenómenos em estudo. Os farmacêuticos e a Direcção da ANF investem há 11 anos neste domínio do conhecimento.
Contribuem indirectamente para a existência de informação que garanta a possibilidade de uma tomada de consciência esclarecida aos que definem e decidem sobre a política do medicamento. Mas temos dado e poderemos dar mais contributos para que os nossos doentes tenham melhores resultados em saúde, usando melhor os medicamentos que, simultaneamente, sejam os mais adequadamente prescritos e aconselhados pelos prescritores.
Como farmacêutico de oficina, colaborei ao longo dos últimos anos com o CEFAR em diversos estudos, nomeadamente:
• Estudo do Padrão de Utilização do Cisapride;
• Estudo dos Regimes Terapêuticos para a Úlcera Péptica. Contributo Farmacoepidemiológico;
• Projecto de investigação de Regimes Terapêuticos para a Úlcera Péptica e para a erradicação de Helicobacter Pylori em Portugal – Contributo Farmacológico;
• Estudo do Perfil de Prescrição dos Anti-Inflamatórios Não Esteróides na População Portuguesa;
• Estudo de Avaliação dos Desejos de Informação dos Doentes Crónicos;
• Estudo do Desperdício na Utilização de Medicamentos na Região Centro;
• Estudo Nacional da Satisfação dos Utentes com os Serviços Prestados pelas Farmácias.
Colaborei, igualmente, como co-autor num Poster intitulado Um Contributo Farmacêutico para a Identificação de Indivíduos Suspeitos de Hipertensão Arterial, apresentado na Conferência Comemorativa dos 10 Anos do Cefar.
Gostaria, a título de exemplo, de referir e salientar uma das principais conclusões do estudo sobre Regimes Terapêuticos para a Úlcera Péptica e para a Erradicação de Helicobacter Pylori em Portugal – Contributo Farmacológico, que foi o que mais impacto teve na equipa com que trabalho na avaliação e interpretação do que é a Farmacoepidemiologia.
Este estudo permitiu-nos verificar que cerca de 48% dos doentes submetidos a uma terapêutica de erradicação não cumprem rigorosamente a terapêutica. A não adesão está essencialmente relacionada com o não cumprimento dos intervalos de administração. Neste estudo foram utilizados dispositivos electrónicos de medição da adesão à terapêutica (MEMES), o que valida na plenitude os dados revelados.
Destaquei esta conclusão, a título de exemplo, por achar fundamental que todos os colegas fiquem sensibilizados sobre a importância, nomeadamente, dos intervalos da administração na correcta adesão à terapêutica.
Espero que esta minha intervenção, baseada na experiência do dia-a-dia, contribua para que todos os parceiros no sistema de saúde, nomeadamente os farmacêuticos de oficina, se envolvam cada vez mais nesta temática, de forma a que os estudos de Farmacoepidemiologia contribuam para fornecer indicadores sobre como avaliar e melhorar a intervenção de todos os profissionais de saúde.